13 maio, 2010

13 de Maio de 2010 - 12h07


Pedro Alexandre: Alice e Michael Jackson no País dos Pesadelos
Uma das cenas mais simpáticas da nova versão cinematográfica de Alice no País das Maravilhas é aquela em que o Chapeleiro Louco vivido por Johnny Depp comemora a inevitável “vitória do bem sobre o mal” com uma dança tão amalucada quanto ele próprio, e batizada de futterwacken.

Por Pedro Alexandre Sanches, no Opera Mundi
Não há de ser mera coincidência qualquer semelhança entre o futterwacken e o moonwalk de Michael Jackson (1958-2009), neste primeiro filme de Tim Burton lançado após a morte de um dos maiores ícones pop do século passado. Há toda uma teia de interações entrelaçando Jackson, Burton e Depp – e, agora, a Alice imaginada por Lewis Carroll, suavizada pelo desenho de Walt Disney e virada do avesso pelo cineasta.

Michael Jackson já frequentara de modo bastante explícito o imaginário de Burton em A Fantástica Fábrica de Chocolate (2005), no qual o mesmo Depp encarnava o excêntrico milonário Willy Wonka em vestes, gestos, palidez, excentricidade e misantropia que remetiam imediatamente ao cantor de Thriller. De novo, não é o mero acaso que liga a fábrica de chocolate de Wonka à Neverland de Michael Jackson, à ilha dos meninos-burricos de Pinóquio, ao país das maravilhas de Alice e a todo o imaginário de Tim Burton.

De modo geral, são os territórios supostamente idílicos das crianças que não querem (ou não conseguem crescer), como era o Peter Pan na Terra do Nunca inspiradora da casa (quase) real em que viveu Michael Jackson. Por trás das maravilhas de um número considerável de fábulas e contos infantis, pode estar escondido à espreita um aspecto nada maravilhoso, que Michael conheceu de perto e de dentro desde ao menos os 11 anos de idade, quando o garoto negro virou estrela principal do grupo de funk e soul Jackson Five.

O planeta todo conhece as histórias do pai tirano, explorador e abusivo que conduzia com violência o conjunto de filhos, bem como conhece o roteiro melancólico cumprido por Michael por baixo da fama e da glória, do garoto vítima de abusos que se acredita garoto eterno, mas, adulto, se desentende do mundo “real” ao se ver em apuros por acusações de abuso de crianças.

Recorrente é a controvérsia em torno do fato de Lewis Carroll (1832-1898) ter tido uma Alice em sua vida “real” – em termos menos fugidios, de que Carroll fosse pedófilo, e, portanto, de que Alice no País das Maravilhas alegorizasse esse tema em alguma dimensão. Não é um tema que a sociedade goste de encarar, nem de frente nem de viés, como tem demonstrado o comportamento da Igreja Católica frente às cada vez mais numerosas acusações de abuso sexual infantil entre os seus.

Pois bem, a rede é intrincada, e Tim Burton é um cineasta pródigo em conduzir filmes protagonizados por homens-meninos atormentados, de parentesco maior ou menor com Alice, Peter Pan, Pinóquio ou Michael Jackson. Assim eram também Edward Mãos de Tesoura (1990) e Ed Wood (1994) – por sinal, foi Johnny Depp, ator-fetiche de Burton, que deu vida a ambos.

Homenagem

Mas há algo de incomum acontecendo em seu novo filme. Desta vez, o imaginário conturbado de Burton concebeu uma Alice transgressora, que, já adulta, volta a um país das maravilhas nem tão maravilhoso assim. Em vez das cores e flores gotejantes de vermelho de papai Disney, o que surge na tela é um país ruinoso, decadente, escuro, estuporado.

Em vez de se divertir com taturanas multicoloridas, Alice retorna a um palco de sonhos que há muito se transformaram em pesadelos. Mais que agir pelo “bem”, ela tem de combater e matar o Jaguadarte, um dragão bem mais tenebroso que o cenário ao redor.

Nada seria mais distante de papai Disney que uma Alice menos psicodélica e mais realista, disposta a brigar no muque com os pesadelos monstruosos que a assaltam de noite na cama. Por ironia – essa sim maravilhosa – foram os estúdios de papai Disney (hoje morto e sepultado) que bancaram a "Alice no País dos Pesadelos" de Tim Burton.

Sim, a rede é intrincada, mas não é difícil chegar à conclusão de que o Chapeleiro Louco, quando elabora seu futterwacken-moonwalk para comemorar a libertação de Alice (e de si próprio, afinal ele mora dentro da imaginação dela), está praticando uma tocante homenagem a Michael Jackson, Chapeleiro Louco para o qual não houve tempo nem condições de derrotar o dragão.

É curioso que as cenas finais do filme, de uma Alice adulta, viva, acordada e emancipada causaram incômodo, irritação, nervosismo – houve quem as chamasse de moralistas, veja só. É bem mais “fácil” (se é possível usar esse termo) assassinar um Michael Jackson que um Jaguadarte.

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